Preceitos do Budismo e a sua relação com a formação da Consciência Ecológica

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Autor: Cibele Lima

O budismo é uma religião de amor, compreensão e compaixão, comprometida com o ideal de não violência. Como tal, ela também dá grande importância à vida silvestre e à proteção do meio ambiente, do qual cada ente entre neste mundo depende, para sua sobrevivência. Considerarmos nossa sobrevivência um direito inalienável. Outras espécies, como co-habitantes deste planeta, também têm este direito à sobrevivência. E desde que os seres humanos, assim como outros entes sensíveis, dependem do meio ambiente como a última fonte de vida e bem-estar, vamos compartilhar a convicção de que a conservação do meio ambiente e restauração do equilíbrio rompido por nossa negligência no passado, devem ser implementados com coragem e determinação. (Venerável Rinpoche, Abade, 1980).

Sidarta Gautama, ou Buda como é conhecido, adotou desde cedo uma vida de contemplação, meditação, austeridade e simplicidade para entender o enigma da vida e da morte, e para aliviar o desespero intolerável que sentia diante do interminável e sem sentido ciclo de morte e renascimento, até que chegou à iluminação. Os seus pensamentos e ensinamentos deram origem ao Budismo, religião oriental, mas que já é difundida e praticada em todo o mundo.

Os registros textuais existentes sobre a sua história apontam “a importância das florestas, não apenas como o ambiente preferido para as práticas espirituais, como a meditação, mas também como um lugar onde o leigo ia buscar instrução”. (Lewis Lancaster, 2006, p.11). Ao fazer isso, Buda reagia à crescente e ascendente urbanização comercial e da economia agrária responsável pelo desflorestamento da região do Ganges, ocasionando o desaparecimento da vida animal do seu habitat natural. “Em seus diversos sermões, há exortações piedosas para que todos mostrassem carinho e dedicação para com todas as criaturas sensíveis.” (PALMER, 2006, p.11).

Os ensinamentos de Buda possuem um amplo paradigma ético e contém um conhecimento vital e inovador sobre o meio ambiente. O princípio “origem do dependente” – na origem disso, aquilo nasce – constitui a chave para o aumento da consciência ecológica budista. Tal princípio causal da interdependência registra uma visão ecológica que “integra todos os aspectos da ecosfera – indivíduos particulares e espécies em geral – em termos do princípio da co-dependência mútua” (Swearner, Donald K, 1988, p. 21). Essa ideia se sobrepõe à autonomia e a soberania do “eu” sobre outros seres e criaturas.

O budismo ressalta o valor moral intrínseco e a considerabilidade, pelo menos em princípio, de todos os seres e existem algumas obrigações mútuas e recíprocas para com eles. O apelo de Buda pela compaixão por todas as formas de vida na sua mútua interdependência e a esteticização da natureza que sustenta seus ensinamentos de sabedoria abriu caminho para uma transformação radical de atitude em relação à natureza nas regiões para onde migrou o budismo. (PALMER, 2006, p.13)

Os direitos e a proteção ética dos animais foram reconhecidos no budismo. Muitos mosteiros budistas na Ásia Oriental, por exemplo, baniram o cozimento de carne animal, por envolver a morte dos animais. Os ambientalistas budistas do Sri Lanka são ativos nos esforços para preservar a ilha do esbulho causado pelo desenvolvimento tecnológico e a destruição da guerra étnica e mantém uma ética ambiental vivenciada há séculos, desde que o budismo chegou ao país.

Já no Tibet, com a chegada do budismo, permitiu-se a criação de um programa nacional de preservação do país que ainda é uma terra misteriosa para a grande parte do mundo. O governo condenou os maus tratos e a morte de animais. “A prática moral de demonstrar respeito pela natureza, bem como o uso responsável que se faz dela, tornaram-se um modo de vida para os tibetanos” (PALMER, 2006, p. 14). 

A ética budista do viver em harmonia com a terra permeou todos os aspectos da cultura tibetana. O meio ambiente do Tibet foi considerado crucial para a estabilidade dos meios ecológicos e ciclos de colheita em grande parte da área vizinha da Ásia. Porém, após a ocupação chinesa a situação do país foi tragicamente alterada: enorme desflorestamento, erosão da terra, poluição dos rios, esgotamento de recursos, matança excessiva de animais e degradação geral do meio ambiente tiveram um impacto ambiental adverso sobre o sudeste da Ásia, que foi submetido a enchentes incontroláveis resultantes dos dilúvios anuais das monções A construção da maior barragem do mundo no Yang-tsé, na China, preocupa os budistas, pois esse arsenal causará um enorme desequilíbrio ecológico por toda a Ásia, fruto da ambição e arrogância chinesa. (PALMER, 2006, p. 15).

“A filosofia ambientalista budista pode ser descrita como um desvio da atitude egocêntrica para uma orientação ecocêntrica” (DE SILVA, 1998, p. 31). Por isso, seguir os pensamentos e ensinamentos do budismo, ou seja, praticar a ética budista – não precisando, necessariamente, ser adepto ao Budismo – constitui um dos caminhos de virtude para a formação da Conscientização Ecológica na mente humana. 

Os ensinamentos do Dalai-Lama

(…) Não é difícil entender e suportar a exploração perpetrada no passado por causa da ignorância. Entretanto, agora que estamos conscientes dos fatores perigosos, é muito importante que examinemos nossas responsabilidades e nosso compromisso com valores, e pensemos no tipo de mundo que levaremos às gerações futuras… Há um grande perigo das futuras gerações não conhecerem o habitat natural dos animais; é possível que não venham a conhecer as florestas e os animais que nós, desta geração, sabemos estarem ameaçados de extinção. Nós é que temos a responsabilidade e a habilidade para cumprir etapas de ação concretas, antes que seja tarde demais. (DALAI-LAMA, 1990, p.94)

A prática do Altruísmo


Tenzin-Gyatso, mais conhecido como o atual Dalai-Lama (14º na linhagem), é o líder religioso do Budismo tibetano. É considerado um dos líderes religiosos mais famosos do mundo, pregando a paz entre os povos e lutando pela libertação do povo tibetano do poderio chinês. Monge e doutor em filosofia budista, já recebeu o prêmio Nobel na Paz, possui mais de cem títulos honoris causa e possui inúmeras obras publicadas, nas quais ele escreve sobre ética, globalização, ciência, espiritualidade, sobre o sentido da vida, entre outros diversos assuntos.

Dalai-Lama é um profundo defensor da compaixão ambiental e de uma ética de responsabilidade universal que, segundo ele, está muito ausente no mundo atual. Em seus diversos discursos ao redor do mundo e também em suas obras, ele sempre prega a proteção pelo meio ambiente. Um de seus ensinamentos é a prática do altruísmo.

Segundo ele, as pessoas ainda não desenvolveram por completo o potencial da consciência humana, ainda estão apenas na metade do caminho. O ser humano ainda é muito egoísta, e teve até agora, a preocupação com um único ser, com a pessoa em si, ou seja, consigo mesmo. Mas o que se deve ter em mente é que todos os seres fazem parte de uma existência cíclica e dependente. Por isso, é preciso destruir essas tendências egocêntricas e a técnica para isso é a prática constante do altruísmo incomum, na qual a preocupação é com todos os seres sencientes. Agindo dessa forma, o homem é capaz de acumular um grande mérito. “Os seres sencientes são ilimitados; portanto, quando a consciência está preocupada com este número infinito de seres sencientes, o poder meritório que é acumulado pelas atividades virtuosas também é ilimitado.” (DALAI-LAMA, 2012, p. 92). [1]

O ser humano, através dessa motivação mais altruísta, tende a alcançar a extinção não só do próprio sofrimento, mas também do sofrimento de toda a humanidade e de todos os seres. A mente humana se tornando uma mente altruísta, desenvolve a atitude de esquecer de si mesma e considerar todos os outros seres tão queridos quanto ela mesma, proporcionando uma melhor base para a participação mais ativa e efetiva na sociedade.

O homem deve desenvolver uma responsabilidade universal e preocupar-se como bem-estar dos outros. A felicidade e a vida sem sofrimento é um direito humano, mas também um direito de todos os seres sencientes. A fonte definitiva de paz, harmonia e equilíbrio na família, na sociedade, no país e no mundo, é o altruísmo – compaixão e amor. (DALAI-LAMA, 2012. p. 98). [2]

Responsabilidade Universal e o Meio Ambiente


Como já dito anteriormente, o budismo ensina a importância de uma atitude de cuidado para com o meio ambiente. A prática de não violência se aplica aos seres humanos, mas também a todos os seres sencientes. Considera-se que, se há mente, há sentimentos como dor, prazer e alegria, que constituem sentimentos de nível básico, compartilhados por todos os seres. 

Na prática budista, ficamos tão familiarizados com esta ideia de não-violência e cessação de todo sofrimento que ficamos acostumados a não fazer mal ou destruir qualquer coisa indiscriminadamente. Apesar de não acreditarmos que árvores ou flores têm mentes, nós as tratamos com respeito. Assim, compartilhamos um senso de responsabilidade universal tanto pela humanidade quanto pela natureza. (DALAI-LAMA, 1990, p.79).  [3]

O budismo crê na reencarnação, o que induz à uma preocupação com o futuro. Acredita-se que existe uma chance de renascer como uma criatura, por isso a ideia da reencarnação dá um motivo para que se tenha uma preocupação direta com o planeta e as gerações futuras. 

O nosso planeta é a nossa casa, e devemos mantê-lo em ordem e cuidar dele se formos sinceramente preocupados com a nossa felicidade e a felicidade de nossos filhos, amigos e outros seres sencientes que compartilham conosco esta grande casa. Se pensarmos no planeta como sendo a nossa casa, ou como a “nossa mãe” — a Terra Mãe — vamos automaticamente nos preocupar com o nosso meio ambiente. Atualmente compreendemos que o futuro da humanidade depende muito de nosso planeta, e que o futuro do planeta depende muito da humanidade. Mas isto não tem sido sempre claro para nós. Até agora, a Terra Mãe têm de certa forma tolerado nossos hábitos caseiros desleixados. Mas agora, o uso humano, a população e a tecnologia alcançaram até um estágio onde a Terra Mãe não aceita mais a nossa presença em silêncio. De muitas maneiras ela agora está nos dizendo, “Meus filhos estão se comportando mal”, ela está nos avisando que há limites para as nossas ações. (DALAI-LAMA, 1990, p.80). [4]

A atitude do budismo tibetano é uma de contentamento, e pode haver alguma ligação aqui com a nossa atitude em relação ao meio ambiente. Não consumimos indiscriminadamente. Colocamos um limite em nosso consumo. Admiramos a vida simples e a responsabilidade individual. Sempre nos consideramos parte de nosso meio ambiente, mas não apenas qualquer parte. As nossas escrituras antigas falam do container e do contido. O mundo é o container — a nossa cassa e nós somos o contido — o conteúdo do container. (DALAI-LAMA, 1990, p.79).  [5]

 

Segundo as sábias palavras de Dalai-Lama:

A paz e a sobrevivência da vida na terra como a conhecemos estão ameaçadas pelas atividades humanas sem compromisso com valores humanitários. A destruição da natureza e recursos naturais é resultado de ignorância, ganância e falta de respeito por tudo que vive sobre a terra. Esta falta de respeito se estende aos descendentes humanos da terra, às gerações futuras que herdarão um planeta vastamente degradado se a paz mundial não se tornar uma realidade e se a destruição do meio ambiente natural continuar no ritmo atual. (1990, p.80).

Um meio ambiente limpo é um Direito Humano 


Como já citado em trechos anteriores do presente artigo, os tibetanos têm grande respeito por todas as formas de vida. Este sentimento inerente é reforçado pela fé budista, que proíbe fazer mal a qualquer ser senciente, seja humano ou animal.

Segundo Dalai-Lama:

Se causarmos um desequilíbrio na Natureza, a humanidade sofrerá. Além disso, como pessoas vivas atualmente, precisamos levar em consideração as gerações futuras: um meio ambiente limpo é um direito humano como qualquer outro. É, portanto, parte de nossa responsabilidade para com os outros assegurar que o mundo que deixarmos para os outros seja tão saudável, se não mais saudável, quanto o que encontramos. Esta não é uma proposta tão difícil quanto parece. Pois, embora haja um limite ao que nós, como indivíduos, podemos fazer, não há limite para o que uma resposta universal possa alcançar. Depende de nós, como indivíduos, fazermos o que pudermos, por menor que seja. Só porque desligar a luz quando sairmos da sala pareça inconsequente, isto não significa que não devemos fazê-lo. (DALAI-LAMA, 1990, Pág. 280).

Os problemas que atualmente enfrentamos — conflitos violentos, destruição da natureza, pobreza, fome, e assim por diante — são principalmente problemas criados pelos humanos. Eles podem ser solucionados — mas unicamente através do esforço humano, compreensão, e o desenvolvimento de um senso de irmandade. Para isto, precisamos cultivar uma responsabilidade universal uns pelos outros e pelo planeta que compartilhamos baseados em um bom coração e conscientização. (DALAI-LAMA, 1990, Pág. 281).

Embora a minha própria religião budista tenha sido útil em gerar amor e compaixão, estou convencido que estas qualidades podem ser desenvolvidas por qualquer um, com ou sem religião. Acredito, ainda, que todas as religiões buscam as mesmas metas: as de cultivar a bondade e trazer felicidade a todos os seres humanos. Embora os meios possam parecer diferentes, os fins são os mesmos. (DALAI-LAMA, 1990, Pág. 282).

[1]              GYATSO, Tenzin, XIV Dalai-Lama. O sentido da vida. 1ª edição. Martins Fontes. São Paulo, 2012. p. 92.

[2]              GYATSO, Tenzin, XIV Dalai-Lama. O sentido da vida. 1ª edição. Martins Fontes. São Paulo, 2012. p. 98.

[3]              GYATSO, Tenzin, XIV Dalai-Lama. Ensinamentos: Responsabilidade Universal e o Meio Ambiente. My Tibet, Thames and Hudson Ltd., Londres, 1990, pág. 79-80.

[4]              GYATSO, Tenzin, XIV Dalai-Lama. Ensinamentos: Responsabilidade Universal e o Meio Ambiente. Disponível em: <https://www.dalailama.org.br/ensinamentos/ambiente.php>

[5]              Ib idem

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